domingo, 4 de março de 2018

Fim do verão, início do outono- um recolhimento em direção ao self


Jung afirma que, é muito comum irmos em direção à tarde da vida, estamos completamente despreparados. Na sua visão, damos passos falsos nesta direção porque partimos do princípio que, pelo fato de estarmos apoiados nas nossas verdades e ideais, acreditamos que estas nos servem até os dias de hoje e estamos preparados para o que nos aguarda.

Mas, como ele mesmo diz: não podemos viver na tarde da vida de acordo com o programa da manhã da vida. Para o que foi ótimo na parte da manhã será muito pouco à tarde, e o que de manhã era verdade, na noite terá se tornado uma mentira.

Este texto é um convite para reflexão sobre o outono das nossas vidas, colaborando com a estação do ano em que nos   encontramos
(em breve-outono).

A vivência das etapas da vida do homem, dentro da teoria de Jung, é uma tarefa desafiadora, pois significa traçar um quadro de toda a vida psíquica, desde o berço até a sepultura.

Analisar a vida psíquica do homem civilizado é concebido em termos de problemas, reflexões, dúvidas e experimentos, diferente do homem primitivo que desconhece quase inteiramente os problemas por estar vivendo a psique instintiva e inconsciente. O afastamento do inconsciente com o desenvolvimento da consciência é ao que devemos a existência de problemas.

A infância e a consciência

Na infância surgem pequenas ilhas de consciência, mas ainda não há problemas porque a criança está imersa no inconsciente, ela tem a psique semelhante a dos povos primitivos chamados “participation mystique”.

Sobre isso Jung (1997,§760) diz:
“Algum leitor talvez deseje saber por que começo com a segunda etapa da vida humana, como se a do estágio infantil fosse um estado sem problemas. Normalmente, a criança ainda não tem nenhum problema pessoal, mas sua complexa psique constitui um problema de primeira grandeza para seus pais, educadores e médicos. Só o ser humano adulto é que pode ter dúvidas a seu próprio respeito e discordar de si mesmo.”

A fase adulta e a existência

As próximas etapas da vida acontecem, porém é na fase adulta, que nos deparamos com as questões da existência considerando que temos mais passado do que futuro.

Sobre estas fases Jung (1997, §778) tem uma simbologia muito sensível para descrevê-las comparando-as ao nascer e o por do sol.

Suponhamos um Sol dotado de sentimentos humanos e de uma consciência humana relativa ao momento presente. De manhã, o Sol se eleva do mar noturno do inconsciente e olha para a vastidão do mundo colorido que se torna tanto mais amplo, quanto mais alto ele ascende no firmamento. O Sol descobrirá sua significação nessa extensão cada vez maior de seu campo de ação produzida pela ascensão e se dará conta de que seu objetivo supremo está em alcançar a maior altura possível e, consequentemente, a mais ampla disseminação possível de suas bênçãos sobre a terra. Apoiado nesta convicção, ele se encaminha para o zênite imprevisto — imprevisto, porque sua existência individual e única é incapaz de prever o seu ponto culminante.

Precisamente ao meio-dia, o Sol começa a declinar e este declínio significa uma inversão de todos os valores e ideais cultivados durante a manhã. O Sol torna-se, então, contraditório consigo mesmo. É como se recolhesse dentro de si seus próprios raios, em vez de emiti-los. A luz e o calor diminuem e por fim se extinguem.”

Lindo não é mesmo? E é exatamente a estação de outono que impulsiona a reflexão sobre estas questões que envolvem também o tempo. Como aproveitar melhor o tempo que ainda nos resta?

Quando a euforia do verão é deixada para o início de recolhimento no outono para o enfrentamento do inverno. 

Podemos relacionar as etapas da vida humana de Jung com os ciclos da mãe natureza. 

É tempo de agradecer por tudo o que nos foi dado até o presente momento. De avaliar as conquistas, de darmos conta das dores com suas sombras, de termos luz e paz.

É algo desafiador, sem dúvida, uma vez que este momento é envolto de muitos desafios, pois é a oportunidade de encarar o que foi significativo nas primeiras estações da nossa vida.Sem medo ou receio é necessário enfrentar para seguir em frente. E antes de tudo, agradecer por tudo o que nos foi dado.

Sol ou chuva, ventos ou tempestades, não importam. É preciso olhar para si mesmo sem medo e com a generosidade necessária. 

Ter compaixão.

Aceitar com gratidão esta fase é sofrer menos, pois evitamos nos identificar com os apegos e o substituímos pelo brotar inerente de todas as etapas anteriores. Metaforicamente como a montanha russa, ora por cima, ora embaixo, descobrindo desconfortos e euforia. Mas em todos os momentos, a oportunidade de observar o aprendizado e enriquecer nossa experiência.

No Outono, as folhas caem para alimentar o solo. É o tempo de recolher. Afinal, é a oportunidade para colher os frutos e estocar as sementes. É nesta visão onde os dias são claros e mais frios e o entardecer revela uma beleza e luz própria que o convite é feito para encarar nossas mazelas, sem rodeios e temores, de forma que o enfrentamento da próxima estação possa ter um efeito mais tranquilo e que seja uma ocasião para o reencontro com o Self. 

No Inverno, é observado o fim da vitalidade. O físico já não corresponde à mente, nossos passos são mais lentos. É um período oportuno para analisar que a finitude está mais próxima. Não há tempo a perder. É hora de jogar fora os relacionamentos que não nos servem mais, as lembranças de um passado que precisa ficar lá, no passado.

Há muita beleza e sabedoria em todas as fases, e se soubermos respeitar, honrar e aprender com cada uma delas, haverá mais sentido e equilíbrio na vida.

E quando o inverno chegar sua consciência estará iluminada, você terá se perdoado e ficaram apenas as sensações de descobertas, de cenas com nova roupagem e a morte, vida, não lhe assustará mais e você a aguardará para um café ou jantar, e a chamará de amiga porque sabe, mais do que ninguém que você fez jus a sua história!

JUNG, C. G. A Natureza da Psique. In: Obras Completas. Rio de Janeiro, 1984. V.8
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Nada a acrescentar ou comentar. Absolutamente completo e nos leva apenas à reflexão.
O que estamos fazendo de nossos dias?
Como tem sido essas nossas estações? 
Boa semana
Tais

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